"O HOMEM NO UNIVERSO" livro de FRITHJOF SCHUON
Escrever a resenha de um livro é de certa forma reduzi-lo ou resumi-lo, propiciando ao leitor um esboço, ou melhor, um perfil do que o autor transmite, fazendo todo o possível para não trair o essencial de sua mensagem.
O Homem no Universo do gnostico e filósofo das religiões, suíço Frithjof Schuon, dirige-se a todos aqueles que querem compreender a verdadeira "história" de nossa humanidade, de uma forma inteligente, cativante, intuitiva e bem-informada, baseada nos princípios metafísicos e cosmológicos legados pela Philosophia Perennis. Ou seja, a verdadeira Filosofia enquanto praticada por sábios amigos e amantes da sabedoria, que pensam e se inspiram com o Intelecto/Coração e não somente através da razão.
Lembramos que é fundamental de nossa parte, enquanto leitores, que quando nos aproximamos da obra de um sábio, na tentativa de compreendê-la e vivê-la, devemos abrir mão na medida do possível dos nossos condicionamentos e preconceitos ideológicos e existenciais, como o único caminho capaz de romper a casca ou a superfície dos fatos, chegando ao verdadeiramente essencial de seu ensinamento.
Frithjof Schuon, metafísico, estudioso das grandes tradições espirituais e religiosas da humanidade, além de poeta e pintor, como mestre espiritual e sheikh Sufi conhecido como 'Îsa Nour el-din Ahmad, resgatou em uma síntese magistral para o homem dos nossos dias a filosofia real - não discursiva e supraindividual - e a sabedoria universal, que propiciam a busca do Absoluto e da Verdade que o homem sempre almejou. Conhecimento este que foi chamado de Philosophia Perennis e que está presente no núcleo quintessencial de todas as religiões tradicionais reveladas, sejam do Oriente ou do Ocidente.
Alguns já disseram ser Frithjof Schuon da mesma linhagem espiritual e intelectual de um Platão, um Shankara, um Abhivavagupta, um Plotino, um Ibn Arabi ou um Mestre Eckhart. Sua obra tem, de fato, uma dimensão impressionante: ao longo de seus 90 anos de vida (ele nasceu em Basiléia, Suíça, em 1907, e faleceu em Bloomington, EUA, em 1998), Schuon escreveu 23 livros e mais de 3000 poemas, que tratam de arte, metafísica, filosofia, religiões, espiritualidade, povos tradicionais, mundo moderno e, fundamentalmente, o que a condição humana sempre almejou: a busca do Bem, do Belo e da Verdade.
Um breve esboço da cada capitulo pode nos ajudar a ter um panorama deste belo livro.
Visões dos Mundos Antigos traz duas idéias chaves que dominam a existência dos povos antigos, as de Centro e de Origem, princípios que distinguem as civilizações tradicionais focadas na idéia do Sagrado como a medieval, a budista, a hindu ou a islâmica, do mundo moderno secularista. Em breves pinceladas o escritor nos apresenta as noções de cosmologia e escatologia dos mundos tradicionais. De uma forma inédita dimensiona a função do gênio étnico nos seus mais diferentes aspectos criativos. Explica também os critérios gerais da arte tradicional.
Outro tema importante desenvolvido, é a relação do homem com os rigores da existência, fato totalmente aceito nos tempos antigos, e que o homem coletivo e moderno - que é sempre uma fera - se nega a aceitar. Isto propicia o relaxamento dos costume de uma forma total, principalmente no mundo moderno em que vivemos, daí a importância e o papel das religiões neste contexto.
A verdadeira nobreza expressa através do antigo cavaleiro, era e é a manifestação cotidiana de um arquétipo celeste que os homens deveriam refletir. A "mundaneidade" sempre foi uma anomalia nas sociedades tradicionais, pois todo homem seguindo sua vocação pode se superar na busca da contemplação do Absoluto, vivendo em uma antecâmara do Céu.
O autor pontua que uma sociedade não representa nenhum valor por si mesma ou pelo simples fato de sua existência, daí a importância das virtudes espirituais e normas religiosas como meios e suportes para que todo mundo humano possa se aperfeiçoar, já que nenhum mundo é perfeito.
Queda e Decadência aborda as profundas implicações do ateísmo contemporâneo. Trata da objetividade do homem antigo e medieval e da passagem do "objetivismo" ao "subjetivismo", que ocorreu com o Renascimento, a Reforma e a Revolução. Os antigos viviam "no espaço" e a mentalidade moderna reduziu tudo a categorias temporais. A ciência moderna é o maior exemplo da perda do equilíbrio espacial característico das civilizações contemplativas. O principio das revelações e das religiões em todas as épocas e países, propiciou a referência fundamental para o desenvolvimento de uma ciência e de uma arte. Em contrapartida a ciência moderna apresenta-se no mundo moderno como o principal e único fator da verdade, gerando a tentativa de ferir de morte a religião. Isto se traduz em uma revolta contra o julgamento Divino, afirmando-se de maneira atroz que "Deus esta morto". O homem moderno, negando esse milagre inicial que é o fato de existir, se move no mundo como se a Existência não fosse nada ou como se ele a tivesse inventado, atolado na mística do nada e da angustia e iludido com os falsos absolutos em todos os planos. A questão é saber quando confrontado o mundo moderno com as civilizações tradicionais, de qual lado esta o mal menor.
O autor nos lembra que no homem fragmentado e marcado pela queda, a ação anula a contemplação, pois a queda faz parte do processo de manifestação ou Teofania universal. E também da importância de compreendermos que todo processo cosmogonico se reencontra de uma maneira estática no homem, que deve buscar as virtudes e a graça, permanecendo na consciência da santa infância. Discute finalmente as profundas implicações do ateísmo contemporâneo.
Diálogo entre Helenistas e Cristãos aponta com precisão os fatores de convergência entre a sabedoria cristã e a dos gregos ponderando que, historicamente, o encontro entre estas duas correntes tradicionais constitui um falso dialogo, pois trata-se de uma confrontação entre dois monólogos. Tudo não passa de profundos mal entendidos, ou melhor de uma disputa entre um canto de amor ( simbolicamente representando a perspectiva cristã) e um teorema de matemática( a sabedoria grega ). O entendimento fundamental é entre a gnosis de São Paulo (historicidade do Cristo Salvador) e a posição dos platônicos ( a natureza mesma das coisas). O autor esclarece e compara os ensinamentos de Pitágoras, Platão e Aristóteles, denunciando o preconceito evolucionista de abordar o pensamento grego. Pois para compreendermos a reação cristã, temos que levar em conta todos os aspectos do pensamento grego. Será que os Helenistas rechaçam ao Cristo dos gnósticos (não os sincretistas dos primeiros séculos, mas os adeptos da via sapiencial), que é aquele que é "antes que Abraão fosse"?
Xamanismo Pele-Vermelha faz um brilhante apanhado do legado espiritual do índio americano, afirmando que não existe nenhuma razão para duvidar-se do aspecto "monoteísta" da tradição dos índios, que distinguem entre o demiurgo e o Espirito Supremo, Wakan Tanka; pois para eles não existe creatio es nihilo e sim transformação, pois todas as coisas são animadas ( possuidoras de alma ). Define o xamanismo como a tradição espiritual própria dos mongólicos. Também demonstra todo o simbolismo tradicional contido na cosmologia dos índios peles-vermelhas e nos seus ritos fundamentais como, o rito do Calumet ( cachimbo sagrado ), a Cabana de Suar, a Invocação Solitária e a Dança do Sol. Aponta a diferença entre a magia comum e a magia cósmica dos Xamãs. Mostra como natureza virgem tem uma importância espiritual fundamental que marca o ato heróico, silencioso e contemplativo do Índio das Planícies e dos Bosques. Finaliza com a importância de bem compreendermos o destino abrupto deste povo índio, sem desculpar nenhum caso de vilania dos quais foi vitima. Pois de fato ocorreu uma destruição consciente, calculada, metódica, oficial - e de nenhuma maneira anônima - da raça vermelha.
Nos Rastros de Mâyâ , o mais explicitamente metafísico e denso dos ensaios, mostra que o conceito de Mâyâ não significa somente "ilusão universal" mas também "jogo divino" ou "desvelamento" de Deus. Fundamentado na doutrina tradicional do Vedanta Hindu, o autor expõe magistralmente o "por que" e o "como" da projeção do "jogo divino" e sobre o lado ininteligível e absurdo de Mâyâ, que para alguns é inexplicável. Também aponta a diferença entre a perspectiva metafísica ou sapiencial e as teologias monoteístas ou ontológicas. Neste sentido, sendo o homem uma imagem reduzida do desenvolvimento cósmico, qual é sua missão, senão a reintegração através da manifestação, ou seja, a introdução do Absoluto no relativo.
Reflexões sobre a Ingenuidade mostra que o meio mais simples e óbvio de nos elevar-nos, é acusar aos que nos precederam de ingênuos. Se entendemos que ser ingênuo é a capacidade de ignorar a dissimulação e os subterfúgios sendo direto e espontâneo, os povos antigos então o eram, ao inverso dos modernos que são sem inteligência, desprovidos de senso critico e abertos a todos os enganos. Pois a grande ingenuidade do "homem do nosso tempo" é tomar o mundo sensível como o único mundo, desconsiderando a dimensão anímica, postura essa, fruto dos estragos do cientismo (culto da ciência) e da psicologia moderna em particular. En nossos dias todo mundo quer parecer inteligente e esperto, mas nada é mais simplista do que esta pretensão de tudo começar do zero; de qualquer modo, por todas as partes existe ingenuidade e sempre existiu, pois a formulação mais "simples" e "ingênua" - para o homem moderno - pode ser a chave para o conhecimento profundo e total.
Universalidade e Atualidade do Monaquismo mostra, o caracter universal do fenômeno de afastamento do mundo em vista da espiritualidade, demonstrando o denominador comum existente entre os diferentes monaquismos do Oriente e do Ocidente; pois monaquismo não é mais do que nosso encontro com a solidão real que vivemos do nascimento à morte. Pelo fato do dessacralizado mundo moderno não compreender que o monaquismo não é só uma questão de "vocação", reprova a atitude do contemplativo de sair do mundo e buscar refugio em Deus. O autor esclarece como isto se aplica as diferentes tradições religiosas como o Islamismo e o Budismo, iluminando a confusão que se faz entre o sincretismo e o ecletismo. O monaquismo se apresenta como instrumento perfeito contra o preconceito da ciência e do social, geradores do materialismo ateu, pois coloca o homem em contato com suas raízes Divinas e Metafísicas, que apontam para as únicas três grande certezas da vida temporal do homem: a Morte, o Juízo e a Vida Eterna. Daí o autor, vai além da vida dos monges, apontando que o homem espiritual em geral, mesmo em meio à vida no mundo pode se voltar para o Divino.
Chaves da Bíblia apresenta as referencias que temos de buscar para compreendermos sua natureza e sentido essencial enquanto Escritura Sagrada. Aponta a necessidade de se estudar os comentários rabínicos, cabalísticos, patrísticos e místicos. Relembra a maneira de acessarmos os quatro sentidos de todo texto sagrado (literal, histórico, moral e espiritual). Mostra que as duas grandes chaves para o real entendimento da Bíblia são: o Simbolismo e a Revelação.
Religio Perennis realiza de certo modo uma síntese essencial da visão de Frithjof Schuon sobre a religião em si e as diversas religiões. Partindo de que as coisas terrestres nunca são proporcionais a extensão real de nossa inteligência, mostra que a função da inteligência é o discernimento metafísico entre o Real e o ilusório, propiciando através do discernimento e da concentração o desenvolvimento da consciência no Real. O autor define a Religio Perennis pelo fato de que o Real entrou no ilusório a fim de que o ilusório possa voltar ao Real. Esta não é uma "nova religião", trata-se tão somente daquela sabedoria e pratica essenciais subjacentes aos diferentes patrimônios espirituais da humanidade.
A isto tem que se acrescentar os critérios da ortodoxia intrínseca para toda religião e espiritualidade, como no Cristianismo, no Islamismo e no Budismo; pois as "provas" de Deus e da religião estão no homem mesmo. Encerrando este livro o autor revela que uma civilização só é integral e sadia na medida em que se fundamenta sobre a "religião invisível" ou "subjacente", a Religio Perennis.
O HOMEM NO UNIVERSO se constitui assim numa autêntica "pequena grande obra", com certeza de um dos maiores sábios e visionários do século XX, pois como Platão, acreditava que Saber é Ser.
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