quinta-feira, 23 de julho de 2015

O SISTEMA DO ANTICRISTO

O tempo que estamos vivendo nesta ilusão da dualidade nos traz muitas expectativas e possibilidades. Neste sentido é necessário que nossa Consciência esteja alerta e informada para não cairmos nas armadilhas da maya cósmica ou dunya que geram sofrimento para nossa alma. Principalmente em um país como o Brasil, onde a total inversão de todos os valores espirituais e morais tomaram conta da alma do povo e de seus governantes.
Este texto de Charles Upton, metafisico e brilhante escritor da linhagem tradicional de René Guenon e Frithjof Schuon, vem iluminar e clarificar aspectos essenciais das relações de poder cultural, politico e espiritual neste momento.


O SISTEMA DO ANTICRISTO *


                                                                     Charles Upton

                  A Globalização e o Governo Mundial não são, o Sistema do Anticristo, ainda que se encontre entre os fatores que tornarão possível dito regime. O sistema do Anticristo emergirá - está de fato, emergindo - do conflito entre a Nova Ordem Mundial e o conjunto de reações militantes contra ela.

                Na época de Jesus, o Governo Mundial era o Império Romano. Os zelotes eram os revolucionários anti-romanos. Jesus teve cuidado de não fazer declarações que pudessem comprometer a causa dos zelotes e faze-lo aparecer como colaborador dos romanos, mas também relacionou-se com centuriões e agentes de Roma, como os coletores de impostos judeus, escandalizando a muitos patriotas hebreus. Surgiu do povo comum, oprimido tanto por Roma como pelas classes dominantes coloniais judias que faziam o trabalho sujo para esta, e denunciou a estes setores -escribas, fariseus, saduceus e herodianos - que faziam causa comum com o Império, portanto não disse uma palavra contra os zelotes e os essênios. Mas não se identificou com a "vanguarda" violenta que atuava em nome do povo. 

             Podemos dizer, portanto, que pelas mesmas razões que Cristo evitou ser identificado tanto com o Império Romano como com seus oponentes ativos, deveríamos ser cuidadosos e não identificar estritamente ao Anticristo, nem com o Governo Mundial, nem com o terrorismo anti-globalista. Ambos proporcionarão o cenário do qual ele emergirá; mas, tal como Cristo evitou ser reivindicado por algum partido, pois sua missão redime não só aos judeus, senão a toda a humanidade, o Anticristo, para edificar seu poder sobre todos os aspectos da alma humana, nos últimos dias "jogará em ambos os lados contra o centro". 

            O Anticristo, em outras palavras, não é o principal inimigo da democracia ou da independência nacional, senão da humanidade em si, considerada como criada a imagem e semelhança de Deus. Em sua mais profunda essência, a batalha entre Cristo e o Anticristo não é entre liberdade e tirania (ainda que o Anticristo não possa entrar ali onde existe a verdadeira liberdade), nem entre os corpos religiosos tradicionais e a sociedade secular (ainda que o campo deste conflito possa, ao menos em alguns casos, estar mais próximo da guerra real), senão entre a sagrada presença de Deus no coração humano e a sacrílega violação desta presença: "Quando vejais, pois, a abominação da desolação, anunciada pelo profeta Daniel, erigida no Lugar Santo (o que leia e que entenda), então, os que estão na Judeia, fugiram aos montes." (Mt 24: 15-16).

               Ao minar e comprometer a todas as formas religiosas, a globalização esta em vias de destruir todas as culturas tradicionais e nacionais. Mas opor-se gratuitamente a todo plano e ação a escala global também se torna problemático. A irônica verdade é que, dado que temos o globalismo, necessitamos globalismo. Se o negocio é internacional, os sindicatos devem também ser internacionais, ou os salários poderão eventualmente baixar em todas as partes abaixo do nível de subsistência. Se as epidemias são globais, os programas de saúde pública devem cruzar as fronteiras nacionais. Se a contaminação é global, os esforços para limita-la devem ser globais. Se o crime é global, a policia deve ser também. Se as nações "emergentes" e os grupos terroristas desenvolvem armas de destruição massiva, devem realizar-se tentativas para limitar sua proliferação. Não temos outra escolha do que tratar de governar a terra a escala planetária. Mas a luta para consegui-lo está produzindo resultados ambíguos. Se, para consolidar seu domínio, os poderes existentes podem manipular o ecologismo, os programas de saúde pública, a pacificação pela força, a guerra contra o crime internacional, o terrorismo e o tráfico de drogas, o farão. Ou, melhor, já o fazem.  
     
              Quem se oponha ao esforço para salvar o meio ambiente, cortar o tráfico internacional de drogas ou limitar a ameaça do terrorismo nuclear estará trabalhando contra os melhores interesses da Terra e da Humanidade. Mas aquele que se identifique com ditos esforços ou ponha suas esperanças neles, se enganará.


              A terra não pode ser governada a escala planetária, porque as forças do globalismo que aspiram a esse governo (...) são as mesmas que estão em primeiro lugar criando estes problemas. A extensão global da industria e a exploração dos recursos - originada e na atualidade (mesmo com o intervalo comunista) dirigida pelo capitalismo transnacional-são a origem da degradação ambiental. Destruindo as economias de subsistência tradicionais e proletarizando o trabalho (com a enorme ajuda da brutal coletivização da agricultura ao custo de dezenas de milhões de vidas na Rússia e na China comunistas), explorando a mão de obra barata e ameaçando as identidades culturais religiosas, as próprias forças do capitalismo global criaram o tráfico subterrâneo das drogas, armas, espécies animais em extinção, escravos... Todos, monumentos ao espirito empresarial. Possivelmente, somente um Governo Mundial poderia limitar o poder destrutivo destas forças econômicas internacionais. Mas, quando tal governo emerja, se é que isso possa acontecer, inclusive ainda que possa ter alguma influencia atenuante sobre os desastres globais, o fará como agente destas forças, não como seu adversário.

                 A política é a arte do efémero. Tudo que é valioso para o homem e que é obtido através da ação política é temporal, ambíguo e corruptível. Esta é a natureza do tempo e da historia, sua essência em fim. A luta pela justiça social ou para salvar o meio ambiente é louvável. Toda pessoa que consiga evitar ser derrotada pelas circunstancias e não chegue a converter-se em um explorador e  opressor dos outros é uma benção para a espécie humana. Cada espécie que possa ser salva da extinção permanece como um incomparável espelho de um único aspecto da naturaleza Divina, e, dado que não podemos saber com certeza se o fim deste Éon supõe ou não a total destruição da vida na Terra (inclusive a de toda vida humana – o que sabemos é que será o fim para "nós"), pode - ou não - engrossar a reserva de biodiversidade para o próximo ciclo de manifestação terrestre.

              Mas a batalha contra o Anticristo se desenvolve em um nível diferente. Ainda que para alguns possa incluir uma vertente política, é essencialmente espiritual. "Meu reino não é deste mundo". É uma luta para salvar não ao mundo, senão a alma humana, começando - e terminando - pela propria alma. 


              De acordo com Apocalipses 20: 7-8: "Quando terminem os mil anos, Satanás será solto de sua prisão e sairá a seduzir às nações dos quatro extremos da terra, a Gog e a Magog, e a reuni-los para a guerra, numerosos como a areia do mar". Segundo O Apocalipses de São João: um comentário ortodoxo, do Arcebispo Averky de Jordanville, o significado de Gog em hebraico é "reunião" ou "alguém que se reúne", e o de Magog "exaltação" o "alguém que exalta". A palavra "exaltação" sugere a ideia de transcendência como oposta a de unidade; "reunião", a de unidade como oposta a de transcendência. A relação desta associação é que um dos profundos enganos do Anticristo nos últimos días do ciclo, será situar estes dois aspectos integrais do Absoluto como em oposição entre sí na mente coletiva e em escala global - nos " quatro extremos da terra".  Quanto da expressão política e econômica desta estéril polaridade satânica, a falsa coesão da tirania esquerdista, assim como a do atual capitalismo global, cairiam sobre Gog; quanto da falsa hierarquização das tiranias de direita ao absolutismo violento dos vários movimentos separatistas "tribais" - tanto étnicos como religiosos - opostos ao globalismo cairiam sobre Magog. Em termos de religião, essas teologias liberais, historicistas, evolucionistas, quase materialistas e cripto pagãs que enfatizam a imanência de Deus como oposta a Sua transcendência são parte de Gog;e quanto às teologias reacionárias que exaltam a transcendência sobre a imanência, olham ao mundo material como um vale de lágrimas, denigrem o corpo humano e contemplam a destruição da natureza com indiferença (senão com secreta aprovação, dado que o melhor que podemos esperar é esquecermos de tudo), são parte de Magog. O conflito entre ambas é precisamente a falsificação satânica do autêntico conflito entre o Rei dos Reis e Senhor dos Senhores e a Besta com seu falso profeta descrito no Apocalipses 19: 11-20. Aqueles que podem ser atraídos com enganos a uma guerra fraudulenta entre elementos que deveriam reconciliar-se, porque são em essência partes de uma mesma realidade vista em um espelho distorcido, não ouvirão a chamada a combater na verdadeira guerra entre forças que nem deveriam nem poderiam reconciliar-se: as da Verdade e da Mentira (Nota: o Globalismo, enquanto fornece o cenário para a emergência desta "hierarquia invertida" da qual falou Guenon, contem também a semente de Magog; quanto ao tribalismo, como herança comum de todos que estão excluídos da elite global, sustenta a semente de Gog: nos últimos dias, nenhum partido, classe nem setor podem manter sua estabilidade ideológica por longo tempo; a "velocidade da contradição" aproxima-se à da luz).


               Em um mundo profundamente polarizado entre o Gog do globalismo sincretista e o Magog do "tribalismo" exclusivista (uma palavra -"tribalismo"- que está começando a denotar o que poderia se chamar "nacionalismo" ou "patriotismo" ou "fidelidade a  própria religião"), a Unidade Transcendente das Religiões representa claramente um caminho do meio, uma terceira força, ao menos no campo religioso. Se opõe tanto ao universalismo das elites globalistas como a autoafirmação violenta das "tribos" oprimidas e marginalizadas por ditas elites. Talvez esta seja uma das razões pelas quais grupos e indivíduos que sustentam esta doutrina tem sido submetidos a esse imenso grau de pressão física que alguns observadores nos subúrbios da escola tradicionalista, como o proprio autor, não podem deixar de lembrar. É razoável conjecturar que nada daria mais gosto ao Anticristo que subverter e desacreditar aos tradicionalistas, dado que a Unidade Transcendente das Religiões é uma das poucas visões do mundo que possivelmente poderiam colocar-se no caminho do conflito estéril e terminal entre globalismo e tribalismo que é  a tônica de seu "sistema" na arena social.


                  Se todas as alternativas possíveis à luta entre globalismo e tribalismo desaparecem da mente coletiva, o Anticristo terá ganho. Pode usar o globalismo político e econômico e o universalismo de uma "espiritualidade mundial" para subverter e oprimir todas as religiões integrais e as culturas religiosas, forçando-as a estreitar suas visões e violar a totalidade de suas próprias tradições como reação contra ele. Pode conduzi-las a excessos terroristas e intolerantes que lhes fariam aparecer como bárbaras e obsoletas aos olhos daqueles que se debatem entre uma identificação global ou uma tribal e, ao mesmo tempo, lançar a todas uma no pescoço da outra.. Unir para oprimir; dividir e conquistar.

              Sob este prisma, podemos apreciar que o exclusivismo da Cristandade conservadora e/ou tradicional é sua maior força ao mesmo tempo em que sua maior debilidade. O mesmo poderia dizer-se, com certas reservas, do Judaísmo e do Islã. O exclusivismo  destas religiões Abraâmicas as permite encastelar-se conscientemente frente ao sistema do Anticristo. A Cristandade, por seu "espírito de catacumba" e sua habilidade - derivada em última instancia do monaquismo - para edificar fortalezas espirituais frente ao mundo. Ao Islã, pelo fato de que dar-el-Islam continua sendo o maior bloco da humanidade que, em parte e ainda que em níveis variados, está ainda social e politicamente organizado em torno da Revelação Divina, como estiveram a Europa Medieval e o Império Bizantino. Por outra parte, seu próprio exclusivismo  impediu a estas religiões - salvo em poucos casos - fazer uma frente comum contra o universalismo globalista e ao secularismo. Permanecem vulneráveis as táticas de "divide e vencerás" do sistema do Anticristo, uma fase que - se damos crédito a especulações teológicas tradicionais como as contidas na As últimas coisas, de Dennis Engleman - bem que poderiam ser o prelúdio de outra posterior, de "une e oprimirás", de capitulação dos exaustos exclusivistas, ansiosos do fim de um conflito sem fim, perante o universalismo satânico do Anticristo.

                 Segundo As últimas coisas, o Anticristo se revelará em Jerusalém e se proclamará Rei dos Judeus; a nação judia, assim como muitos cristãos, o aceitarão. Desde a perspectiva islâmica, sem duvida, qualquer regente mundial que fosse inicialmente Rei dos Judeus e ao qual depois se submeterão os cristãos seria reconhecido de imediato e universalmente como o Anticristo. Ao menos que o Islam tradicional e inclusive o Islam fundamentalista possam virtualmente desaparecer, é inconcebível que semelhante figura pudesse animar aos muçulmanos a aceita-lo como o Mahdi ou o Jesus escatológico. Portanto, se as previsões recopiladas por Engleman são em algum sentido exatas, está de fato se apresentando como cenário escatológico mais provável uma massiva apostasia de judeus e cristãos que deixaria unicamente aos muçulmanos saber quem é realmente o Anticristo, e prontos para fazer-lhe a guerra. Como, então, poderia o Anticristo emergir como um verdadeiro monarca global, ainda que satânico? Talvez seja a oposição militante de um Islam desacreditado aos olhos do resto do mundo a um "salvador" admirado quase que universalmente, o que termine por consolidar o poder deste.  Isto não é de nenhuma maneira uma predição. Deus me livre! Estou simplesmente permitindo-me imaginar vários cenários baseados nas qualidades de auto-contradição e ironia terminal que são a tônica de todas as forças históricas nestes últimos dias. 


                O Governo Mundial em ascensão mostra muitos sinais de ser o anunciado regime do Anticristo. Mas isto, como já foi pontualizado, não é tão simples, pois as forças "tribais" em reação contra o globalismo são em última instancia parte do mesmo sistema. De acordo com um dos muitos cenários possíveis, as forças satânicas operantes no fim do Éon seriam bem capazes de estabelecer um Governo Mundial só para construir o cenário necessário para a emergência do Anticristo como grande líder de uma revolução mundial contra este governo, que, se triunfasse, seria o verdadeiro Governo Mundial. Também o martírio do Anticristo nas mãos de tal governo poderia constituir um ato deliberado e inclusive um encenado auto-sacrifício, farsa cênica da morte de Cristo e conduzindo a uma ressurreição fraudulenta. Não se está sustentando que isto vai acontecer; não se está prognosticando. Somente se quer pontualizar que para edificar seu poder - exceto no último Conflito Messiânico, chamado nos Apocalipses Armagedom, que é iniciado e concluído por Deus mesmo -, o Anticristo, como falsa manifestação da universalidade Divina, terá a capacidade de usar a todas as partes em todos os conflitos, incluindo um global...
  

               Observando a situação, é muito chocante lembrar que, ainda que ocupadas por forças profundamente diferentes, na Palestina de hoje existem as mesmas "conjunturas" sociopolíticas que existiam há dois mil anos, nos dias de Jesus. O governo israelense esta aonde estavam, os escribas e fariseus. Os militantes palestinos ocupam o lugar dos zelotes. Estados Unidos e/ou a ONU podem representar ao Império Romano. E a posição única de Jesus, na cruz ou cruzamento onde todas as forças contemporâneas convergem, foi ocupada por Yasser Arafat, crucificado nas pontas de cada contradição... Mas Arafat, certamente, não foi Jesus. Em nenhum sentido transcendeu a condição que ocupou; não foi mais que uma marionete das respectivas forças em ação.

             Jesus de Nazaré estava profundamente ao par da situação política. Ao nível humano, devia esta-lo. Isto não significa, desde já, que fosse uma espécie de revolucionário político; de fato, certa sapiência política lhe era necessária para, simplesmente, evitar que fosse forçado a tomar partido a favor ou contra o partido do Templo em sua aliança com Roma, a favor ou contra os zelotes... em um mundo onde se supunha que todos tinham que faze-lo e, aparentemente, tudo se precipitava inexoravelmente para a revolta judia de 66 D. C. Por exemplo, quando seus oponentes lhe desafiaram a responder em público se era ou não legal pagar impostos a Roma, acreditavam te-lo em suas mãos. Se tivesse respondido: "Sim", teria perdido seus seguidores no setor zelote, que, devido a que interpretavam o tributo como um ato de adoração ao imperador estabelecida oficialmente em algumas províncias romanas, o consideravam uma blasfêmia contra Yahweh, especialmente porque a moeda romana com a qual se pagava o tributo, por ter a imagem do imperador, era visto pelos zelotes como um ídolo, uma "imagem de pedra". Teria perdido também sua autoridade moral para criticar aos escribas e fariseus que tinham chegado a um compromisso com o governo colonial romano. Teria sido incluído no partido das autoridades do Templo, pelo menos aos olhos do povo, o que lhe teria isolado dos zelotes e dos essênios. Se, por outro lado, tivesse respondido: "Não", teria sido identificado imediatamente com os zelotes, e teria perdido contato com sua mais ampla audiência. Teria também sido exposto a uma prisão prematura ou a uma possível acusação de revolta. Sua morte, pois, não teria significado mais que a de, digamos, alguém como Barrabás. Como tantos outros milhares, teria sido morto como um rebelde "unidimensional" contra Roma, e teria sido esquecido.


                 Sua escolha de um caminho que evita as armadilhas desta contradição sociopolítica representa uma peça mestra de "sublimação", e pode dar-nos uma chave de como evitar sermos incorporados a falsos conflitos ou rigorosamente definidos e a andar - pelo contrario- pela via que conduz a verdadeira guerra. Primeiro, pediu que alguém da multidão lhe dessa a moeda do tributo, demonstrando assim que não tinha moedas, que era um dos "pobres" - em árabe, fuqara, o plural de faquir, que é sinônimo de Sufi - a quem vinha predicar a "boa nova", e também que a moeda "idólatra" em questão circulava livremente. Em segundo lugar, ao perguntar: "Que imagem é esta?" - ao que lhe responderam: "A de César"- estava se distanciando dos zelotes ao demonstrar claramente que a moeda não podia ser um ídolo, pela simples razão de que o César não era Deus, e por isto poder-se-ia dar a César o que é de César sem cometer blasfêmia. Ao mesmo tempo, estava dizendo, que distribuir a imagem do pequeno falso deus de nenhuma maneira era adorar, senão que poderia inclusive ser um ato de condescendência por parte dos judeus, que conheciam e adoravam ao Deus Vivente. Sua autopercepção e sua privilegiada posição como o Povo Escolhido não podia em nenhum sentido ser violada por seguir a corrente, ao invés do narcisismo destes auto-intitulados césares. Portanto sem um maravilhoso grau de sapiência espiritual e política, Jesus teria inevitavelmente sido incluído no conflito político, e sua missão teria fracassado (esta, certamente, é a situação vista desde o ponto de vista da humanidade de Jesus: desde o ponto de vista de Sua Divindade, Sua missão, ordenada por Deus; não podia fracassar). E esta lição de como evitar envolver-se prematuramente em conflitos políticos e rigorosamente definidos que comprometerão a percepção espiritual e a disposição para atender a verdadeira chamada de Deus, tem também seu lado esotérico; uma "parábola ativa" de como ir mais alem dos pares de opostos e realizar o Absoluto. Na interpretação dos cristãos ortodoxos orientais, "o que é de César" é o peso da moeda em ouro, e "o que é de Deus", é a forma que nela esta gravada do ser humano, criado a imagem e semelhança de Deus. Nossas vidas pertenceram sempre, eternamente e de idade em idade, a Deus. É por isto que, na ressurreição, pode novamente "encarnar-se" em uma substancia gloriosa e incorruptível. A lição é: não é nossa vida o que devemos proteger do Anticristo - como certos sobrevivencialistas claramente acreditam -, senão nossa forma. Nos últimos dias, como sempre, a luta não é por manter nossas posições, nem sequer nossas vidas, senão evitar perder nossas almas. Em última instancia, esto é o único que se requer de nós.


  
  (*) Extratos do livro The System of Antichrist (Sophia Perennis, 2001). Tradução de Aluizio J. R. Monteiro Jr.




terça-feira, 30 de junho de 2015

UM ALÉM DA CONSCIÊNCIA


Um além da consciência?

                                                           David Dubois

Existe um além da consciência?
Algumas autoridades afirmaram que sim, como Nisargadatta Maharaj, e outros antes dele. Como a escola da Nyaya / Vaisesika, para quem o estado de liberado é um estado de inconsciência, porque a consciência não é a nossa verdadeira natureza, mas apenas uma qualidade, um atributo entre outros, do qual somos liberados no momento da liberação. Este estado de liberação não é um estado de felicidade, de plenitude, mas uma ausência de todo o sofrimento e toda experiência, um estado que não é verdadeiramente um estado. Além disso, a consciência é o fundamento de toda experiência, por isso tanto sofrimento. Libertar-se da consciência é, portanto, libertar-se do sofrimento. Este é um tema das filosofias do Ocidente, que de diferentes maneiras certamente celebram a supra-consciência ou a inconsciência, desde o desconhecimento do teólogo Denys até as noites alcoolizadas  de nossa juventude.
Portanto, o absoluto é outra coisa que a consciência? A consciência é um estado susceptível de ser ultrapassado? E o que é a consciência?
Para alguns, como para o budista Nāgārjuna, toda consciência implica uma dualidade de sujeito e do objeto. No Ocidente, dizemos que toda consciência é consciência de alguma coisa. A corrente budista testemunhada por Nāgārjuna compara a consciência com uma espada que não pode cortar-se a si mesma. Em outras palavras, não há consciência de si. É apenas uma aparência, um pretexto, um mito, uma maneira de falar sem refletir.
Mas o que seria uma consciência sem consciência de si, uma consciência inconsciente, de alguma forma?
Outra corrente budista, ao contrario afirma que a consciência é consciência de si mesma, sem dualidade entre sujeito e objeto, como uma lâmpada é para si a sua própria luz, sem a necessidade de outra lâmpada. Esta corrente, presente às origens do Grande Veículo (Mahayana), vai se tornar a escola de prática do yoga (Yogacara), segundo a qual tudo é construção mental.


Em resumo, no Ocidente como no Oriente, no hinduísmo como no budismo, e ainda hoje, há duas posições sobre a consciência:
- consciência é um estado, uma etapa em direção ao absoluto que é a nossa verdadeira natureza, um estado sutil, o estado ultimo, mas que pode e deve ser ultrapassado em um inconcebível além da consciência, pois toda consciência é germe de sofrimento e todo sofrimento envolve uma certa dualidade. Não se pode escapar da experiência do sofrimento, a não ser para além da própria experiência, isto é, a consciência.
- a consciência não é um estado, mas o pano de fundo de todo estado. Ela não é uma etapa, mas o fundo sem fundo de todas as etapas. Não é uma qualidade do absoluto, mas sua essência. Toda consciência é autoconsciência, mas esta consciência de si não implica dualidade entre sujeito e objeto. Consciência se conhece a si mesma, mas não da maneira que conhecemos um objeto. Ela se conhece imediatamente. A consciência não é necessariamente uma fonte de sofrimento: a pura consciência de si, sem auto-objetificação, sem identificação, tem o poder de transformar toda a experiência em felicidade impregnada de paz.
Penso que a razão, a intuição e a experiência mostram que a segunda posição é o caminho certo.
A primeira posição é errada porque:
- ela confunde a consciência com um estado, ou seja, com um objeto de consciência.
- quando ela afirma que a consciência é necessariamente dualista, como a espada não pode cortar-se, ainda confunde a consciência com um objeto. Consciência não se parece com uma espada ou qualquer outra coisa. Só Deus pode conhecer a Deus.
- um além da consciência ainda seria uma experiência, por isso, um estado de consciência. Querendo sair da consciência, ou acreditar que se saia, é como tentar ir mais rápido que a própria sombra.
- a consciência não é dual, mesmo quando ela parece ser. A consciência do objeto é sempre, na realidade, uma autoconsciência. A dualidade é um erro: toma-se uma consciência de si por uma consciência do outro, como num sonho.


- não há meios de conhecer além da consciência.
- os textos tradicionais que afirmam que o absoluto esta "além da consciência ou da inconsciência", "sem consciência" (acetana, asaṃvedana), "além do ser" (sattva-atita) são métodos pedagógicos para liberar a consciência da tendência a se identificar, com os objetos e estados. A sabedoria de Nagarjuna deve ser compreendida neste contexto.
- os estados de vazio, de "inconsciência", onde o sono profundo é a ilustração mais pura, são estados. A consciência não é um deles.
- a consciência não é algo fixo e absolutamente imutável. Ela está sempre presente, mas é livre para se reassumir como vazio, como nada, como é livre de se reassumir como cenoura, cão ou homem.
- a consciência é livre, significa que não é um prisioneira de si mesma: ela pode levar para isto ou aquilo.
- o vazio, os estado de ignorância, de inconsciência, etc. são simplesmente a consciência se retomando como pura consciência, o que a consciência qualifica de inconsciência, porque ela só se conhece comumente (no estado de vigília) nos objetos. O que se toma pela inconsciência ou um "além da consciência" é a pura consciência não dual.
- esta pura consciência não é o reconhecimento liberador. Porque quando os objetos reaparecem, a consciência é arrebatada e alienada novamente.
- a consciência se reconhece como o intervalo entre os objetos, os estados, e como esses objetos, esses estados: somente então ela é livre.
- falando praticamente, permanecemos em silêncio, desprendido, flutuante, desligado, na ausência ou na presença do objeto, sem referência a um sujeito. Ver que não há sujeito, é ver o verdadeiro sujeito. Ver que ninguém vê, é ver nossa verdadeira natureza, a consciência, para além das palavras, das imagens, das emoções, das sensações, dos estados.


Alguns versos do Yoga Vasistha sobre a identidade do absoluto e a consciência de si: 
O vento e o farfalhar são um,
Como o fogo e seu calor.
Da mesma forma, a consciência pura e seu poder de vibrar
São sempre um e o mesmo Ser (6/2, 84, 3)
Quando (a consciência) se distende e permanece como está,
É chamada de "Shiva"
Em seguida, a atividade da deusa, o poder da consciência,
Repousa no Si, em si mesmo.
Quando ela permanece como é, no seu estado natural,
É chamada "Shiva". (02/06, 84, 26, 27-A)
Porque ele está consciente,
(O Absoluto) não pode ser o que é
Se não for assim (consciente),
Como o ouro não pode existir
Sem forma. (6/2, 82, 6)
Você que é sábio! Diga-me como
A pimenta pode existir sem ser pimenta?
Como o açúcar não poderia ser doce? (6/2, 82, 8-9)
Uma consciência pura
Desprovida de consciência
Não merece o nome de "pura consciência"! (6/2, 82, 10)
A consciência não pode estar presente
Sem este tipo de vibração
Que é a substancia mesma da consciência,
Assim como uma coisa não pode ser
O que ela é em não sendo! (02/06, 83, 14)


Assim, não existe além da consciência. E, além disso, mesmo que se pudesse imaginar, falar sobre isso ou experimentá-la, mesmo através de uma "não experiência", ainda estaria na consciência, em que o poeta Jacques Goorma chamou Permanência :
"A Permanência do despertar esta na clareza do espírito, nesta luz que irradia em toda coisa por sua presença. Toda coisa só tem lugar em sua Permanência" (The Living, p. 9)
Na verdade, as coisas não vêm do nada, nem da consciência. Eles são um nada consciente.


segunda-feira, 8 de junho de 2015

O Mistério do Desejo

 David Dubois

Escritor de origem francesa, mestre em filosofia comparada, especialmente o Tantra não dualista da Cachemira. Publicou diversas traduções diretamente do sanskrito, como L'Essence du Yoga selon Vasishta e Le Tantra de la Reconnaissance de Soi e de sua autoria Abhinavagupta ou la liberté de la conscience.


É o desejo ruim?

As tradições espirituais parecem unânimes: o desejo é a causa de todo o nosso sofrimento; e a erradicação do desejo, ou pelo menos a sua reorientação para o divino, é a condição sine qua non da felicidade nesta vida.
Neste julgamento negativo acrescenta-se a ideia de que o corpo é a fonte de desejo. É nele que encontra-se este poder misterioso, feminino e (portanto) difícil de domar.
Mas é realmente assim?
Vamos ler esta passagem de Abhinavagupta, um mestre do Tantra do ano 1000. Antes da citação que se segue, ele explicou que todo prazer vem da consciência universal. E acrescenta:
"Até mesmo uma forma pode ser uma fonte de prazer para os olhos, se ela une-se ao grande êxtase que é nada mais do que a excitação/emoção da energia seminal (presente no corpo sob a forma de sangue e sêmen). E é o mesmo para os ouvidos quando escutam uma música doce. Os outros sentidos, igualmente, desfrutando (do prazer) em seus respectivos objetos,  apreciam o êxtase criativo em sua plenitude, não por uma simples excitação confinadas a eles mesmos ".
Os olhos, os ouvidos e os outros sentidos, com efeito, são apenas objetos materiais, privados de consciência própria e incapazes de experimentar qualquer excitação. Se houver excitação, não vem dos objetos, nem dos sentidos. A excitação é o eco da lembrança de uma plenitude absoluta que transcende os limites físicos e é, portanto, susceptível de nos arrebatar desses limites. Mas, prosseguimos:


"É por isso que mesmo as formas de um belo corpo de uma mulher com rosto adorável, em que os quadris balançam e cujo canto é requintado, não geram uma felicidade plena naqueles que são como pedras, naqueles cuja energia seminal não está madura, naqueles em que a felicidade da paixão - que é apenas a excitação desta energia seminal - está faltando."
O maravilhamento do deleite surge na medida onde (energia seminal) amadurece. Porque, se (esta energia) está totalmente ausente, (observa-se) que há como uma inércia, uma vez que não há nenhum maravilhamento ou deleite. E diz-se (em tratados de estética) que ser dotado de coração, é ser possuído por uma aumento de maravilhamento e deleite, que é (justamente) uma excitação da energia seminal.
Abhinava, Parâtrîshikâvivarana, p. 202
A energia seminal, é o esperma ou o seu equivalente feminino, o sangue. Subjetivamente, esta energia é o desejo.
O que faz Abhinava?
Ele diz que, sem desejo, nada é desejável.
Ou seja, ele inverte a visão clássica, como Spinoza no Ocidente:
Não é a coisa que suscita o desejo,
mas o desejo que faz a coisa desejável.
Cada um pode fazer a experiência: quando se está com muita fome, restos de um biscoito podem nos fazer salivar. De modo que quando se está saciado, o cheiro de um frango assado nos é indiferente. Ou, como o corpo que nos excita antes do amor, mas nos deixa frio depois.


No entanto, este corpo não mudou! Mas o que mudou então? O desejo! Ele é a fonte de excitação, e não o corpo ou aquele objeto. É por isso que o desejo, uma vez satisfeito, isto é, uma vez que desapareceu, não pode nos fazer felizes.
Pode-se tirar duas lições:
- O desejo não se originou no corpo ou em qualquer objeto. Então onde? Na Fonte Divina e Universal, como revelou a experiência do primeiro instante do desejo: percebemos que tudo que desejamos, que desejamos no passado ou que desejaremos, é uno com nossa essência.
- O Desejo é um bem precioso. Em outras palavras, o desejo é desejável. Sem ele, não existe mais prazer, mais excitação, mais vida, mais Consciência. "Infeliz aquele que não tem nada a desejar!" disse Rousseau. Por quê? Porque o desejo é a essência da Consciência, que é em si a essência de tudo. O desejo é o Coração do coração, A alma da alma.


Mas então porque o desejo é a causa do sofrimento?
Na realidade, não é ele quem nos faz sofrer, mas unicamente a crença de que o objeto desejado é separado do desejo. De que estamos separados do que desejamos. No entanto, a experiência do primeiro instante do desejo, sem separação entre o sujeito e o objeto do desejo, é suficiente para sentirmos a unidade, e assim a plenitude. Este não é o sofrimento da separação. Nem o tédio que muitas vezes acompanha a satisfação.

sábado, 23 de maio de 2015

ECOLOGIA HUMANA e ESPIRITUALIDADE

Manifestação

Deus se manifestou,
este é o valor da Criação.
A manifestação é afastamento,
o raio permanece intacto.
Deus fez entrar ao Ser
no mais profundo do nada.
E sem duvida, esta escrito:
o mundo não pode ser divino.
O coração quer ser santo
e encontra-se perante a porta de Deus.
Se existe um Paraíso na terra,
esta aqui, esta aqui.
                                                                             Frithjof Schuon


Todo o universo está baseado em um princípio fundamental, ou seja, o da unicidade e da inter-relação entre todas as coisas. Até agora, a ciência e a civilização contemporânea triunfaram dando às costas à inter-relação das diversas partes da natureza, isolando cada segmento dela a fim de poder analisa-lo e dissecá-lo por separado, e chamando a este procedimento de “Ciência” . Agora, devemos enfrentar o fato de que nossas necessidades e as fontes que podem satisfazê-las estão inter-relacionadas com as outras partes da natureza, animadas e inanimadas.
Este principio de que se deve ver o meio ambiente como uma unidade complexa em que tudo está inter-relacionado, só pode ser completo se também abarcar o homem, e os planos psicológicos e espirituais da realidade e, portanto, em último termo a Fonte de tudo quanto existe.
Se a esfera terrestre caiu no perigo da desordem e o caos, é devido precisamente ao fato de que desde há vários séculos o homem ocidental vive como um ser puramente terreno, e trata de desvincular seu mundo terreno de qualquer outra realidade que o transcenda
As atuais considerações ecológicas podem superar algumas das barreiros que criaram os estudos separativistas e compartimentalizados sobre a natureza, mas não podem resolver os problemas mais profundos que envolvem o homem mesmo, porque é precisamente o homem que perturbou o equilíbrio ecológico mediante fatores de caráter não biológicos. A rebelião espiritual do homem contra o Céu contaminou a terra, e nenhuma tentativa de retificar a situação criada sobre a terra pode ter pleno êxito sem que a rebelião contra o Céu chegue a seu fim.


Só a Ecologia Humana, baseada em princípios metafísicos, pode restabelecer a harmonia entre o homem e a terra ao estabelecer em primeiro lugar a harmonia entre o homem e o Céu, entre o homem e o homem e do homem para consigo mesmo, e deste modo transformar a atitude ambiciosa e ávida do homem para com a natureza que é a base da exploração temerária dos recursos naturais, em uma atitude combinada e fundamentada na contemplação, na compaixão e na cooperação. 
O homem é o veículo da graça para a natureza; através da sua participação ativa no mundo espiritual, ele traz luz para o mundo e para a natureza. O homem é a boca através da qual a natureza respira e vive. Devido a intima conexão entre o homem e a natureza, o estado interior do homem se reflete na ordem exterior - no mundo e no meio ambiente.
O homem vê na natureza o que ele mesmo é - e assim pode penetrar no significado interior dela - desde que seja capaz de buscar nas profundezas interiores de seu próprio ser. É a capacidade de perceber a transparência metafísica dos fenômenos. Os homens que vivem na superfície de seu ser, só podem estudar a natureza como algo que tem que ser manipulado e dominado..
Lembremos que a contemplação, que permitiu que o elemento qualitativo e espiritual da natureza, que constitui a fonte da beleza - pois como  dizia Platão "a Beleza é a expressão da Verdade e da Bondade"- pudesse refletir-se nos mais belos jardins japoneses ou persas e nas obras de caráter similar, que estão baseadas em um Conhecimento Tradicional, Espiritual e Universal. Aplicando-se esse conhecimento tradicional como a geografia sagrada e a Geosofia, os chineses, os japoneses,  os persas, os gregos, e os árabes construíram alguns dos mais belos edifícios, jardins e paisagens urbanas imagináveis.
Existe a necessidade de se redescobrir a natureza virgem como fonte da verdade e da beleza, no sentido intelectual mais estrito, e não meramente sentimental. A natureza deve ser vista como uma afirmação e uma ajuda na vida espiritual, e até como meio da Graça. Uma vez mais deverá converter-se em um meio de recordação do Paraíso e do estado de felicidade e beatitude que o homem busca essencialmente e incessantemente.


O redescobrimento da natureza virgem não significa um vôo do homem individualista e prometeico em direção à natureza. Enquanto se encontrar no estado de rebelião contra o Céu, o homem leva consigo suas próprias limitações até quando se volta para a natureza. Estas limitações velam a mensagem espiritual da natureza para ele, ou seja, a transparência metafísica dos fenômenos, não permitindo que ele extraia proveito desta inter-relação .
É deste modo que o moderno cidadão urbano em busca da natureza virgem leva consigo os elementos que a destroem, e como conseqüência destrói ao homem que a está buscando.
O redescobrimento da natureza virgem com a ajuda de princípios Tradicionais, Espirituais e Universais significa uma reunificação do significado simbólico das formas naturais e o desenvolvimento de uma simpatia espiritual para com a natureza, possibilitando a restauração do homem em seu lugar no cosmos.
No plano da ação, isso significa antes de tudo atuar sempre segundo a verdade, de acordo com o princípio da unicidade e da transcendência de todas as coisas.
O homem de hoje necessita  resgatar uma antiga/nova visão de si, da natureza e de sua própria relação com ela para poder sobreviver, inclusive fisicamente. Sendo o homem potencialmente o agente consciente e transformador do ambiente em que vive, - neste mundo moderno, materialista - cultuador da ciência e do progresso - e industrialista  em degeneração -  é necessária uma atitude simples e responsável  para consigo mesmo, no sentido de se conhecer como Ser Humano Consciente e integrante de um Cosmos hierarquizado e Universal realizando o Si Divino a cada respiração de nossa vida.


Assim Ecologia Humana significa o homem curar a si mesmo, para curar o ambiente e a natureza. Curar significa Consciência, equilíbrio, responsabilidade para consigo mesmo, harmonia e respeito de sua função na sociedade e no cosmos, em sintonia com os ensinamentos das grandes Tradições Espirituais da humanidade.
Tudo isto requer a busca da simplicidade da vida, ou seja, educação apropriada, alimentação equilibrada, informação adequada e seletiva,  moradia confortável e viva, saúde consciente, contemplação da natureza, beleza e alegria de viver numa relação harmônica, inteligente e compassiva de ser humano para com ser humano.
Praticando a Oração e a meditação como a grande chave para nos comunicarmos e realizarmos o Divino em sua real Transcendência e Imanência cósmica.
Ações baseadas nestes princípios em um país onde a natureza parece insondável e inesgotável em sua majestosa exuberância, podem e devem ser frutíferas levando a uma real Consciência de nossa presença no cosmos.
A partir disto alguns temas podem ser sentidos, pensados, conversados e implementados como uma forma de contribuir e propiciar a consciência de Ser e o desenvolvimento Espiritual do homem contemporâneo.


* Implantação da Terapias Holísticas Tradicionais ou Terapias Naturais no serviço publico de saúde.
* Desenvolvimento do princípio do cooperativismo, nas escolas e pequenas comunidades.
* Incentivos a pesquisa e aplicação de terapias populares no serviço público de saúde
* Incentivo as pesquisas de contos e lendas populares e sua difusão nas escolas públicas e privadas
* Utilização de técnicos e pesquisadores dos Conhecimentos Tradicionais nos projetos de impacto ambiental.
* Campanhas sobre orientação e utilização de alimentos simples e básicos para a população em geral.
* Resgate de técnicas brandas e simples de edificação, para serem utilizadas pela população de baixa renda.
* Implantação e formação de bibliotecas públicas, em escolas, pequenas comunidades, centros culturais e bairros.
* Implantação e formação de Centros culturais e Artísticos em pequenas comunidades, para criação, pesquisa e difusão dos conhecimentos tradicionais e espirituais da Humanidade, utilizando-se os mais diversos instrumentos como: dança, teatro, música, canto, artes plásticas, etc.
* Respeito a todas as grandes Religiões e Tradições Espirituais reveladas ao homem seja no ocidente ou no oriente.

segunda-feira, 11 de maio de 2015

O HOMEM NO UNIVERSO



"O HOMEM NO UNIVERSO" livro de FRITHJOF SCHUON



Escrever a resenha de um livro é de certa forma reduzi-lo ou resumi-lo, propiciando ao leitor um esboço, ou melhor, um perfil do que o autor transmite, fazendo todo o possível para não trair o essencial de sua mensagem.

O Homem no Universo do gnostico e filósofo das religiões, suíço Frithjof Schuon, dirige-se a todos aqueles que querem compreender a verdadeira "história" de nossa humanidade, de uma forma inteligente, cativante, intuitiva e bem-informada, baseada nos princípios metafísicos e cosmológicos legados pela Philosophia Perennis. Ou seja, a verdadeira Filosofia enquanto praticada por sábios amigos e amantes da sabedoria, que pensam e se inspiram com o Intelecto/Coração e não somente através da razão. 

Lembramos que é fundamental de nossa parte, enquanto leitores, que quando nos aproximamos da obra de um sábio, na tentativa de compreendê-la e vivê-la, devemos abrir mão na medida do possível dos nossos condicionamentos e preconceitos ideológicos e existenciais, como o único caminho capaz de romper a casca ou a superfície dos fatos, chegando ao verdadeiramente essencial de seu ensinamento. 

Frithjof Schuon, metafísico, estudioso das grandes tradições espirituais e religiosas da humanidade, além de poeta e pintor, como mestre espiritual e sheikh Sufi conhecido como 'Îsa Nour el-din Ahmad, resgatou em uma síntese magistral para o homem dos nossos dias a filosofia real - não discursiva e supraindividual - e a sabedoria universal, que propiciam a busca do Absoluto e da Verdade que o homem sempre almejou. Conhecimento este que foi chamado de Philosophia Perennis e que está presente no núcleo quintessencial de todas as religiões tradicionais reveladas, sejam do Oriente ou do Ocidente.


Alguns já disseram ser Frithjof Schuon da mesma linhagem espiritual e intelectual de um Platão, um Shankara, um Abhivavagupta, um Plotino, um Ibn Arabi ou um Mestre Eckhart. Sua obra tem, de fato, uma dimensão impressionante: ao longo de seus 90 anos de vida (ele nasceu em Basiléia, Suíça, em 1907, e faleceu em Bloomington, EUA, em 1998), Schuon escreveu 23 livros e mais de 3000 poemas, que tratam de arte, metafísica, filosofia, religiões, espiritualidade, povos tradicionais, mundo moderno e, fundamentalmente, o que a condição humana sempre almejou: a busca do Bem, do Belo e da Verdade.

Um breve esboço da cada capitulo pode nos ajudar a ter um panorama deste belo livro.

Visões dos Mundos Antigos traz duas idéias chaves que dominam a existência dos povos antigos, as de Centro e de Origem, princípios que distinguem as civilizações tradicionais focadas na idéia do Sagrado como a medieval, a budista, a hindu ou a islâmica, do mundo moderno secularista. Em breves pinceladas o escritor nos apresenta as noções de cosmologia e escatologia dos mundos tradicionais. De uma forma inédita dimensiona a função do gênio étnico nos seus mais diferentes aspectos criativos. Explica também os critérios gerais da arte tradicional.
Outro tema importante desenvolvido, é a relação do homem com os rigores da existência, fato totalmente aceito nos tempos antigos, e que o homem coletivo e moderno - que é sempre uma fera - se nega a aceitar. Isto propicia o relaxamento dos costume de uma forma total, principalmente no mundo moderno em que vivemos, daí a importância e o papel das religiões neste contexto.
A verdadeira nobreza expressa através do antigo cavaleiro, era e é a manifestação cotidiana de um arquétipo celeste que os homens deveriam refletir. A "mundaneidade" sempre foi uma anomalia nas sociedades tradicionais, pois todo homem seguindo sua vocação pode se superar na busca da contemplação do Absoluto, vivendo em uma antecâmara do Céu.
O autor pontua que uma sociedade não representa nenhum valor por si mesma ou pelo simples fato de sua existência, daí a importância das virtudes espirituais e normas religiosas como meios e suportes para que todo mundo humano possa se aperfeiçoar, já que nenhum mundo é perfeito.
Queda e Decadência aborda as profundas implicações do ateísmo contemporâneo. Trata da objetividade do homem antigo e medieval e da passagem do "objetivismo" ao "subjetivismo", que ocorreu com o Renascimento, a Reforma e a Revolução. Os antigos viviam "no espaço" e a mentalidade moderna reduziu tudo a categorias temporais. A ciência moderna é o maior exemplo da perda do equilíbrio espacial característico das civilizações contemplativas. O principio das revelações e das religiões em todas as épocas e países, propiciou a referência fundamental para o desenvolvimento de uma ciência e de uma arte. Em contrapartida a ciência moderna apresenta-se no mundo moderno como o principal e único fator da verdade, gerando a tentativa de ferir de morte a religião. Isto se traduz em uma revolta contra o julgamento Divino, afirmando-se  de maneira atroz que "Deus esta morto". O homem moderno, negando esse milagre inicial que é o fato de existir, se move no mundo como se a Existência não fosse nada ou como se ele a tivesse inventado, atolado na mística do nada e da angustia e iludido com os falsos absolutos em todos os planos. A questão é saber quando confrontado o mundo moderno com as civilizações tradicionais, de qual lado esta o mal menor.


O autor nos lembra que no homem fragmentado e marcado pela queda, a ação anula a contemplação, pois a queda faz parte do processo de manifestação ou Teofania universal. E também da importância de compreendermos que todo processo cosmogonico se reencontra de uma maneira estática no homem, que deve buscar as virtudes e a graça, permanecendo na consciência da santa infância. Discute finalmente as profundas implicações do ateísmo contemporâneo.
Diálogo entre Helenistas e Cristãos aponta com precisão os fatores de convergência  entre a sabedoria cristã e a dos gregos ponderando que, historicamente, o encontro entre estas duas correntes tradicionais constitui um falso dialogo, pois trata-se de uma confrontação entre dois monólogos. Tudo não passa de profundos mal entendidos, ou melhor de uma disputa entre um canto de amor ( simbolicamente representando a perspectiva cristã) e um teorema de matemática( a sabedoria grega ). O entendimento fundamental é entre a gnosis de São Paulo (historicidade do Cristo Salvador) e a posição dos platônicos ( a natureza mesma das coisas). O autor esclarece e compara os ensinamentos de Pitágoras, Platão e Aristóteles, denunciando o preconceito evolucionista de abordar o pensamento grego. Pois para compreendermos a reação cristã, temos que levar em conta todos os aspectos do pensamento grego. Será que os Helenistas rechaçam ao Cristo dos gnósticos (não os sincretistas dos primeiros séculos, mas os adeptos da via sapiencial), que é aquele que é "antes que Abraão fosse"? 
Xamanismo Pele-Vermelha  faz um brilhante apanhado do legado espiritual do índio americano, afirmando que não existe nenhuma razão para duvidar-se do aspecto "monoteísta" da tradição dos índios, que distinguem entre o demiurgo e o Espirito Supremo, Wakan Tanka; pois para eles não existe creatio es nihilo e sim transformação, pois todas as coisas são animadas ( possuidoras de alma ). Define o xamanismo como a tradição espiritual própria dos mongólicos. Também demonstra todo o simbolismo tradicional contido na cosmologia dos índios peles-vermelhas e nos seus ritos fundamentais como, o rito do Calumet ( cachimbo sagrado ), a Cabana de Suar, a Invocação Solitária e a Dança do Sol. Aponta a diferença entre a magia comum e a magia cósmica dos Xamãs. Mostra como natureza virgem tem uma importância espiritual fundamental que marca o ato heróico, silencioso e contemplativo do Índio das Planícies e dos Bosques. Finaliza com a importância de bem compreendermos o destino abrupto deste povo índio, sem desculpar nenhum caso de vilania dos quais foi vitima. Pois de fato ocorreu uma destruição consciente, calculada, metódica, oficial - e de nenhuma maneira anônima - da raça vermelha.  
Nos Rastros de Mâyâ , o mais explicitamente metafísico e denso dos ensaios, mostra que o conceito de Mâyâ não significa somente "ilusão universal" mas também "jogo divino" ou "desvelamento" de Deus. Fundamentado na doutrina tradicional do Vedanta Hindu, o autor expõe magistralmente o "por que" e o "como" da projeção do "jogo divino" e sobre o lado ininteligível e absurdo de Mâyâ, que para alguns é inexplicável. Também aponta a diferença entre a perspectiva metafísica ou sapiencial e as teologias monoteístas ou ontológicas. Neste sentido, sendo o homem uma imagem reduzida do desenvolvimento cósmico, qual é sua missão, senão a reintegração através da manifestação, ou seja, a introdução do Absoluto no relativo.  
Reflexões sobre a Ingenuidade mostra que o meio mais simples e óbvio de nos elevar-nos, é acusar aos que nos precederam de ingênuos. Se entendemos que ser ingênuo é a capacidade de ignorar a dissimulação e os subterfúgios sendo direto e espontâneo, os povos antigos então o eram, ao inverso dos modernos que são sem inteligência, desprovidos de senso critico e abertos a todos os enganos. Pois a grande ingenuidade do "homem do nosso tempo" é tomar o mundo sensível como o único mundo, desconsiderando a dimensão anímica, postura essa, fruto dos estragos do cientismo (culto da ciência) e da psicologia moderna em particular. En nossos dias todo mundo quer parecer inteligente e esperto, mas nada é mais simplista do que esta pretensão de tudo começar do zero; de qualquer modo, por todas as partes existe ingenuidade e sempre existiu, pois a formulação mais "simples" e "ingênua" -  para o homem moderno - pode ser a chave para o conhecimento profundo e total.


 O Homem no Universo indica a posição metafísica do homem no universo total, ou seja, para além dos estreitos limites do mundo material.  " A ciência moderna nada pode dizer sobre nossa localização extra espacial no Universo total e real." Esta ciência moderna ignora em que lugar estamos do nosso espaço existencial e o que é a inteligência. Deus é a mais ofuscante das evidências - Causa primeira e Ilimitada - e está presente em todos os fenômenos, sendo este o mistério do simbolismo tradicional. O autor responde de forma simples e brilhante o que é o ego. Aponta caminhos para sairmos do atoleiro da existência terrestre, pois somente o Intelecto ou a crença religiosa pode romper a "camada de gelo" que nos cobre. Como a Bondade esta na substância do Universo, ela propicia através da infinita Misericórdia Divina que tudo penetra e vivifica a paz ao homem. Como o sábio vê as coisas e o mundo fenômenico, é outra das questões respondidas, pois é só quando o homem esta em busca de sua estrela, que ela será encontrada e libertada na oração e na virtude.  
Universalidade e Atualidade do Monaquismo mostra, o caracter universal do fenômeno de afastamento do mundo em vista da espiritualidade, demonstrando o denominador comum existente entre os diferentes monaquismos do Oriente e do Ocidente; pois monaquismo não é mais do que nosso encontro com a solidão real que vivemos do nascimento à morte. Pelo fato do dessacralizado mundo moderno não compreender que o monaquismo não é só uma questão de "vocação", reprova a atitude do contemplativo de sair do mundo e buscar refugio em Deus. O autor esclarece como isto se aplica as diferentes tradições religiosas como o Islamismo e o Budismo, iluminando a confusão que se faz entre o sincretismo e o ecletismo.  O monaquismo se apresenta como instrumento perfeito contra o preconceito da ciência e do social, geradores do materialismo ateu, pois coloca o homem em contato com suas raízes Divinas e Metafísicas, que apontam para as únicas três grande certezas da vida temporal do homem: a Morte, o Juízo e a Vida Eterna. Daí o autor, vai além da vida dos monges, apontando que o homem espiritual em geral, mesmo em meio à vida no mundo pode se voltar para o Divino.
Chaves da Bíblia apresenta as referencias que temos de buscar para compreendermos sua natureza e sentido essencial enquanto Escritura Sagrada. Aponta a necessidade de se estudar os comentários rabínicos, cabalísticos, patrísticos e místicos. Relembra a maneira de acessarmos os quatro sentidos de todo texto sagrado (literal, histórico, moral e espiritual). Mostra que as duas grandes chaves para o real entendimento da Bíblia são: o Simbolismo e a Revelação.


Religio Perennis realiza de certo modo uma síntese essencial da visão de Frithjof Schuon sobre a religião em si e as diversas religiões. Partindo de que as coisas terrestres nunca são proporcionais a extensão real de nossa inteligência, mostra que a função da inteligência é o discernimento metafísico entre o Real e o ilusório, propiciando através do discernimento e da concentração o desenvolvimento da consciência no Real. O autor define a Religio Perennis pelo fato de que o Real entrou no ilusório a fim de que o ilusório possa voltar ao Real. Esta não é uma "nova religião", trata-se tão somente daquela sabedoria e pratica essenciais subjacentes aos diferentes patrimônios espirituais da humanidade.
A isto tem que se acrescentar os critérios da ortodoxia intrínseca para toda religião e espiritualidade, como no Cristianismo, no Islamismo e no Budismo; pois as "provas" de Deus e da religião estão no homem mesmo. Encerrando este livro o autor revela que uma civilização só é integral e sadia na medida em que se fundamenta sobre a "religião invisível" ou "subjacente", a Religio Perennis.  
O HOMEM NO UNIVERSO se constitui assim numa autêntica "pequena grande obra", com certeza de um dos maiores sábios e visionários do século XX, pois como Platão, acreditava que Saber é Ser.